Estudos realizados em diferentes países apontam que entre 15% e 25% das pessoas têm zumbido no ouvido, ou tinnitus, o nome técnico. Para a grande maioria delas – cerca de 80% – isso não representa um incômodo. Os demais sofrem com ele em maior ou menor grau.
O zumbido pode acarretar depressão, insônia, afetar a qualidade de vida e a capacidade de executar atividades rotineiras como trabalhar ou estudar. Ouvir esse barulho que ninguém mais escuta pode tornar-se uma verdadeira tortura. Trata-se de um “sintoma fantasma” – algo semelhante ao que ocorre com pessoas que tiveram um membro amputado e continuam sentindo dor na parte do corpo que não existe mais. Talvez por isso, o tinnitus nem sempre tenha a devida atenção dos médicos, e o paciente acaba por receber a frustrante orientação de aprender a conviver com o problema. Contudo, existem, sim, tratamentos que minimizam o zumbido e, em alguns casos, o eliminam.
De acordo com o Dr. Pedro Luiz Mangabeira Albernaz, otorrinolaringologista do Einstein, o tinnitus geralmente é causado por uma atividade neural anormal que afeta os mecanismos de atenção e alarme do cérebro relacionados ao sistema auditivo, fazendo com que a pessoa perceba um som que não está sendo gerado no ambiente. “O sistema de atenção pode ser exemplificado por uma jovem mãe, que não acorda com uma trovoada, mas desperta ao menor choro de seu bebê. Já o mecanismo de alarme é acionado, por exemplo, com o som de uma buzinada ao atravessar a rua, que obriga o sistema nervoso a tomar uma atitude de defesa diante do risco. Por um mecanismo de reflexo, o tinnitus entra nos sistemas de atenção e de alarme. Por isso, pode se tornar desesperador para a pessoa”, afirma o médico.
Mais de 90% dos pacientes com zumbido apresentam também perda auditiva. Outra característica comum é o agravamento à noite, período de maior silêncio. Durante o dia o zumbido é mascarado pelos sons diurnos.
Uma infinidade de causas
Segundo o Dr. Ricardo Ferreira Bento, otorrinolaringologista do Einstein e professor titular de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), vários fatores, inclusive algumas doenças, podem provocar ou agravar o tinnitus. E mais de uma causa pode estar presente no mesmo indivíduo. “Não costuma ser nenhuma doença grave, mas é necessário fazer exames para afastar possibilidades como a presença de tumores. Muitos casos têm cura ou podem se estabilizar, principalmente quando o diagnóstico é feito precocemente. Por isso, é importante que o paciente procure o médico assim que perceber o problema”, destaca.
Entre as outras possíveis causas do tinnitus, estão problemas no ouvido (inflamação, cerume, etc), taxa de glicemia alta, problemas cardiovasculares, estresse e outras alterações emocionais. “Em algumas pessoas, cigarro, bebida alcoólica e cafeína em excesso podem estar relacionados ao zumbido”, diz o Dr. Ricardo.
Além disso, de acordo com o Dr. Maurício Kurc, otorrinolaringologista do Einstein, o uso de alguns medicamentos também pode estar relacionado ao zumbido. “Diuréticos da alça, que atuam nos rins, e anti-inflamatórios em doses altas podem causar zumbido reversível. Já os antibióticos aminoglicosídeos podem levar a um quadro irreversível mesmo após o fim do seu uso. Acontecem ainda casos em que o chiado no ouvido aparece depois que a pessoa parou de tomar algum medicamento. Além disso, a exposição a ruídos, tanto de lazer quanto ocupacionais, podem ter impacto a longo prazo”, completa o Dr. Maurício.
Quando a causa ou causas são identificadas, são elas que devem ser objeto do tratamento. Mas em metade dos pacientes não há causas identificáveis. Também não há exames que permitam medir objetivamente o zumbido. A avaliação é subjetiva. Durante a consulta, o médico faz testes com o paciente, que aponta o grau de ruído que sente. Às vezes, a sensação que o indivíduo tem do ruído pode ser elevada, mas quando ele compara com outros sons, percebe que não é tão alta.
O tratamento varia caso a caso. Podem ser prescritos medicamentos que aliviam o desconforto e problemas derivados do zumbido: tranquilizantes, anticonvulsivantes e antidepressivos. Fitoterápicos à base de ginkgo biloba têm sido usados com resultados positivos em alguns pacientes, mas não há estudos que comprovem cientificamente seu benefício. Em algumas pessoas com perda auditiva, o zumbido desaparece com o uso do aparelho auditivo.
Há ainda equipamentos criados especificamente para o tratamento do zumbido, como os geradores de som (também conhecidos como mascaradores de som), que surgiram há cerca de 15 anos. Colocados no ouvido, eles produzem externamente um som semelhante ao zumbido interno, proporcionando algumas horas de alívio. Estudos mostram que a pessoa tolera melhor o som externo do que aquele que vem de dentro. Efeito semelhante pode ser obtido sintonizando-se o rádio entre duas estações: aquele chiado característico também funciona como um mascarador do ruído interno.
Mais de 90% dos pacientes com problema de zumbido no ouvido apresentam também perda auditiva
Já o retreinamento do zumbido (tinnitus retraining therapy – TRT), criado pelo neurocientista Pawel Jastreboff, usa um som diferente, com o objetivo de retreinar o cérebro: quando o paciente deixa de ouvir o barulho do aparelho, deixa de ouvir o zumbido também. É o que a neurologia chama de habituação, ou seja, fazer com que o sistema nervoso aprenda a ignorar estímulos sem significado. Busca-se o mesmo fenômeno que ocorre com as anêmonas-do-mar: elas se fecham, reagindo a uma gota de água, mas deixam de fazê-lo se as gotas de água tornam-se constantes. O ruído do aparelho usado no TRT é igual para todo mundo, mas a intensidade é ajustada de acordo com cada caso. Segundo o Dr. Pedro Luiz, precisa ser usado de seis a oito horas por dia durante um período de oito a 10 meses.
Um aperfeiçoamento desse sistema surgiu mais recentemente. Ele mistura diferentes sons, também visando à habituação. A promessa é de que os resultados apareçam um pouco mais cedo, entre quatro e cinco meses de uso. Ainda não há estudos com uma base relevante de pacientes que apontem o percentual de pacientes que se beneficiam com o uso desses aparelhos.
Em resumo, há vários caminhos para tratar o zumbido, e a medicina segue estudando novas alternativas. Assim, quem sofre com isso não deve dar ouvidos ao conselho de “aprender a conviver com o problema”. Deve, sim, buscar as soluções que a medicina oferece.
Fonte: Hospital Israelita Albert Einstein
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